segunda-feira, 14 de maio de 2018

Luta e festa na obra de Nei Lopes

Os escritos do homenageado da FLIM 2018, em prosa e em verso, são textos de resistência à opressão cultural e racial e, ao mesmo tempo, uma alegre celebração da vida em todas as suas formas. Nos livros e canções de Nei está presente o respeito à religiosidade e à visão de mundo das tradições africanas. Sua obra traz também também um retrato lírico e sensível das coisas simples da vida comunitária, tão cara à cultura ancestral das aldeias africanas - uma herança ainda hoje, apesar das mudanças da contemporaneidade, presente na vida dos brasileiros, qualquer que seja o tom de sua pele.



Do poema "Eu também soul, América!"

Meus pais
Nunca foram expressamente proibidos
De entrar aqui ou ali.
Mas também
Nunca passaram na porta
Por conhecerem seu lugar
Não o da porta.

Do livro “Nas águas desta baía há muito tempo: Contos da Guanabara”

O irmão, Quirino, tinha sumido na mata, parece que comido por onça – bicho que gosta de carne de preto, porque é docinha, dizem.

Do poema "Dona" (para Dona Ivone Lara)

Nela
Notas e acordes vêm rolando lá de cima
Da Serrinha da alma
Como o canto de todos os anjos

Do poema "Brechtiana"

Primeiro
Eles usurparam a matemática,
A medicina, a arquitetura
A filosofia, a religiosidade, a arte
Dizendo tê-las criado
À sua imagem e semelhança.

Depois,
eles separaram faraós e pirâmides
Do contexto africano - 
Pois africanos não seriam capazes
De tanta inventiva e tanto avanço.
(...)
Então,
Reservaram para nós
Os lugares mais sóirdidos
As ocupações mais degradantes
Os papeis mais sujos

(...)
Agora, chega!


Do romance "A lua triste descamba” 

Dizem que fez a passagem tranquilo, como se tivesse  pego no sono. Mas mesmo assim teve mulher lá que deu ataque. Uma caiu junto da cama, outra no corredor, outra guinchava e se debatia, rolando pelo chão. (...) Naquela época, enterro que não tivesse mulher histérica dando ataque não era enterro.

Do romance Mandingas da 'Mulata Velha' na Cidade Nova"

Todo indivíduo é um elo na cadeia da existência, repassando aos seus descendentes o que recebeu de seus ancestrais. A transmissão correta e direta desse saber precisa de tempo e lugar. O tempo é agora. O lugar é este.

Do poema "Adivinha"

Todo rio vai e volta
Pra desembocar no mar.
A voz somente se solta
Se a alma se libertar.

Do poema "Eu, o sujeito do discurso"

Vossa Excelência é o presidente desta casa.
Que tem quatro quartos, um cesto, dois terços
E um quinto dos infernos.
(...)
Só pra gente entender como é esta casa,
Nela a privada é um ministério público
Que tem um pé na cozinha
(...)
E uma rocinha nos fundos.
(...)
Data vênia, esta é a casa
Em que vossa indecência
Casa com a presidência.

Do livro  “Nas águas desta baía há muito tempo: Contos da Guanabara”


- Mas... como se volta pra Aruanda, pai? Aruanda é Luanda na língua de preto. É em Angola. E tio Lauro veio de Queto; é nagô, de outra região. Ele às vezes conta histórias de Angola, mas não é de lá.
O pai não sabia desses detalhes, nem imaginava que o filho conhecesse a geografia do continente africano. Aliás, nem sabia direito se a África tinha geografia. 

Do poema "Caixa de Ferramentas"

E eu não sabia
Que a régua de nível
Com aquela bolha incrível
O fio de prumo

O peso de chumbo
A colher de pedreiro
(Suja o tempo inteiro)
E a desempenadeira,
Bem mais que proibidas brincadeiras
Com suas sugestões de geometrias
E físicas irreais,
Era ícones, totens, emblemas
E muito mais,
Meu pai:
Era o pão nosso de cada dia...


Veja também:

Com Nei Lopes, a FLIM homenageia as raízes negras do Brasil

Os livros de Nei Lopes

O som de Nei Lopes

Contribuições ao ensino da cultura afro na escola

O blog do Nei

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